Do JC / Economia, 25/08/2013
Demanda por preservação dos recursos naturais torna Porto mais
receptivo ao diálogo e à busca de um modelo de desenvolvimento sustentável - Leonardo Spinelli -lspinelli@jc.com.br
Como fazem semanalmente às segundas-feiras, os pescadores da Colônia Z8 em
Gaibu, praia do Cabo de Santo Agostinho, se reuniram para mais um debate sobre
seu ofício. Nesse dia, início de agosto, a pauta tinha um quê de novidade.
Estavam lá para debater propostas de convivência e compensação de impacto
ambiental apresentadas ao Complexo Portuário e Industrial de Suape. Como
contrapartida pelas obras de acesso de navios, o complexo é obrigado a propor
soluções para evitar desequilíbrios ambientais. A reunião simboliza uma nova
relação entre desenvolvimento econômico e preservação de ecossistemas. Não cabe
mais aquele velho debate em que um e outro não se misturam. Daqui para frente,
é planejar o principal instrumento do desenvolvimento industrial de Pernambuco
- Suape - levando em conta aspectos que não podem ser descartados, todos eles
relacionados ao meio ambiente.
Uma das ideias discutidas naquela reunião era instalar arrecifes
artificiais, proposição que agrada à maioria dos pescadores. Os objetos
afundados se transformam em berçários de peixes, cada vez mais raros por ali. A
outra é organizar o chamado fundeio dos navios, definindo locais específicos
para as embarcações estacionarem enquanto esperam sua vez de entrar no porto.
Para os pescadores, gente que vive há décadas naquela região, Suape é um
vizinho tão poderoso quanto incômodo. Suas atividades são estratégicas para a
economia de Pernambuco, mas afastaram pescados e turistas da região.
"Agora só tem funcionários por aqui e eles comem nas fábricas, não os
nossos peixes", diz o presidente da Colônia, Laílson de Souza. Para os
pescadores, a entrega do estudo marca uma mudança na postura de Suape, hoje
mais aberto ao diálogo. Seria fruto também do amadurecimento deles próprios.
Há seis anos, o complexo intensificou ações, dinamitando corais que serviam
de berçário para lagostas - pescado com rigorosas proteções à pesca. O
interesse foi o de abrir caminho para navios cada vez maiores. Também aterrou
mangue para instalação de indústrias. São efeitos colaterais de um
"progresso brutal", como definem eles. Mas são também reflexos do
desenvolvimento que gera renda e emprego para muitos.
Os pescadores aprenderam que não adiantava ficar parado e passaram a ser
mais aguerridos em suas posições. Estudaram a região, passaram a se informar
sobre o meio ambiente, aliaram-se a ambientalistas, buscaram a Justiça e até
mesmo a ONU, em 2011, para denunciar desmandos.
"Suape não para", diz o pescador Ednaldo Rodrigues, conhecido como
Nal. A frase resume o que os pescadores descobriram na prática. Não há como impedir
um projeto tão importante para a economia do Estado, que já atraiu 105
indústrias para o local, 80 delas a partir de 2007. Já não há mais tempo para
questionar o modelo de desenvolvimento econômico pensado para aquela região
estuária, que, para o bem o para o mal, terminou com a vocação natural do
turismo e da cultura da pesca e agricultura. Prevaleceu a indústria. Agora é
brigar para que Suape e o governo cumpram suas obrigações socioambientais.
"Não existe desenvolvimento sem sustentabilidade", completa Nal. A
ajuda de custo de R$ 400 mais uma cesta básica de R$ 70 que os pescadores
recebem de Suape não diminuiu a vontade de buscar novas soluções.
Para os agricultores que vivem da terra, o clima ainda parece não ter
mudado. O temor de que seu pedaço de chão seja considerado de interesse
estratégico é uma constante. São 7 mil famílias que residem nas terras de
antigos engenhos daquela parte da Mata Sul do Estado, 2,6 mil delas vivendo em
áreas que são consideradas por Suape como zonas industriais ou de proteção
ecológica. Muitas estão sendo obrigadas a sair. As imagens de tratores
derrubando casas, com apoio da polícia, ainda estão bastante vivas na cabeça
dessas pessoas, apesar de a situação ter se acalmado. "Estão levando em
banho-maria", diz o presidente da Associação dos Agricultores do Engenho
Tiriri, Edvaldo Nascimento.
Octagenário, o agricultor Luiz Abílio da Silva morou a maior parte de sua
vida no local, cortando cana e plantando roçado, de onde tirava boa parte de
sua alimentação diária. Foi desapropriado e recebeu R$ 60 mil, que ele
considera insuficiente.
A diretoria de Suape diz que conseguiu avanços, citando parcerias de
financiamento habitacional com a Caixa de R$ 258 milhões para construção de 2,6
mil casas (o contrato deve ser assinado em outubro) e construção de
assentamentos (121 famílias foram para Barreiros). "De 2011 para cá, o
número de acordos com as famílias aumentou 22%. Assinamos 571 deles",
pontua o vice-presidente de Suape, Caio Ramos.
O principal problema em questão é que os agricultores
entendem que a terra pertence a um loteamento do Incra, com registro para
reforma agrária assinado em 1970. Suape, por sua vez, entende que comprou a
área 10 anos depois e, portanto, as indenizações são calculadas sobre o valor
dos imóveis construídos e não sobre o valor milionário das terras. Para pessoas
como o agricultor José Silvino da Silva, do engenho Titiri, hoje considerado
área de Suape, a economia em larga escala, no entanto, é um monstro de dentes
afiados. "Não somos contra o desenvolvimento de Pernambuco nem do Brasil.
Só queremos uma indenização digna", resume