quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O que muda com a saída da PDVSA

JC / Economia, 25/09/2013

REFINARIA Petrobras desiste de parceria com venezuelanos e cortará custos na Abreu e Lima



A novela que se estende há 10 anos acabou. A Petrobras desistiu de esperar pela Petroleos de Venezuela S.A (PDVSA) para integrar a sociedade na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em construção no Complexo de Suape. A petrolífera venezuelana teria 40% de participação e a estatal brasileira os 60% restantes. Sem acordo para a criação de uma empresa binacional, a Rnest deixará de ser uma subsidiária para se transformar em uma unidade de negócios. Na próxima segunda-feira, durante uma assembleia extraordinária, a Petrobras vai aprovar a incorporação da refinaria pernambucana dentro do Programa de Otimização de Custos Operacionais (Procop). Além da Rnest, a lista também inclui o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a Sociedade Fluminense de Energia (SFE). 

Na prática, a incorporação da Rnest vai permitir um enxugamento da estrutura e a redução de custos. Hoje, a refinaria conta com o organograma completo de uma empresa, com presidente e diretores, conselhos de administração e fiscais próprios e obrigação de publicar balanços separados. Pela nova estrutura, o empreendimento terá um gerente geral que responderá à Petrobras. Procurado pela reportagem do JC, o presidente da Rnest, Marcelino Guedes (no cargo desde agosto de 2008), informou que qualquer assunto relacionado à PDVSA deve ser tratado, a partir de agora, pela área corporativa do sistema Petrobras. Por meio de sua assessoria de comunicação, a estatal disse que não iria se pronunciar sobre a saída da PDVSA e a incorporação da Rnest.

Em conversas informais com a imprensa, Marcelino sempre deixou escapar que a missão dele aqui é construir e entregar a refinaria e depois voltar para o Rio de Janeiro. Funcionário de carreira da Petrobras, o engenheiro carioca atuava como diretor da Transpetro antes de assumir a Rnest. No mercado local, Marcelino é reconhecido como o mentor da estratégia de aumentar a participação das empresas locais e dos pernambucanos no empreendimento. As especulações dão conta que o cargo de gerente geral será ocupado por outro executivo.

Sócio da fluminense A&P Consultoria e especialista em petróleo e gás, Arthur Pimentel, acredita que a mudança será boa para o Brasil e para Pernambuco no médio e longo prazos. "Isso faz parte do plano da Petrobras de ter uma gestão corporativa mais competitiva. Além de reduzir custos, essa incorporação vai aumentar a velocidade das decisões e a ingerência da Petrobras sobre o empreendimento", observa. Do ponto de vista do projeto, a previsão é que sejam necessárias algumas adaptações. "A refinaria está orientada ao processamento de petróleo pesado. As As possíveis adaptações não terão muito mistério, porque o óleo venezuelano também é pesado", complementa Pimentel.

Em abril, o diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza, disse que caso fosse confirmada a desistência da PDVSA, a adaptação necessária custaria algo em torno de 5% do total do projeto, estimado hoje em US$ 17 bilhões. Isso significaria um acréscimo de US$ 850 milhões no valor global.
Um executivo da Petrobras confirma que a Rnest vai se transformar em uma unidade de negócios, mas rebate a informação de que a PDVSA estaria fora. Diz que a mudança de modelo de gestão não impede o ingresso da petrolífera venezuelana. Apesar da possibilidade, a volta ao projeto está descartada. A empresa está em crise, sem conseguir realizar novos investimentos no parque de refino de seu próprio país, a política nacional está se reacomodando após a morte do presidente Hugo Chávez em março desse ano, a Petrobras não aceitou receber a parte da Venezuela em Petróleo e a PDVSA não conseguiu oferecer as garantias ao BNDES para entrar como sócia. 

A assinatura dos protocolos de entendimentos entre Brasil e Venezuela para a construção da Rnest completou 10 anos em abril. As tratativas não avançaram e a PDVSA não chegou investir um único dólar. Em março de 2012, a Petrobras já havia aplicado no empreendimento os R$ 9,9 bilhões financiados pelo BNDES e, a partir de então passou a fazer desembolsos do próprio caixa. A obra, que começou a ser construída em 2007, está com 80% de execução, 40 mil funcionários e previsão de processar o primeiro barril de petróleo em novembro de 2014

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O amor sem palavras

Por Tadeu Alencar, em JC/Opinião 30/08/2013

É bom o calor das multidões. Nas romarias de Juazeiro gostava de serpentear entre os nordestinos de chapéu de palha, que acorriam à meca de desassistidos e aventureiros em busca de um milagre. Menino curto gostava de ver os tipos, pois sempre entendi que as savanas são savanas porque existem os leões e as zebras. Não apenas porque são bonita paisagem. Homens de rosto curtido de sol, marcados pelos anos de estio, a barba hirta, olhos transidos de uma fé impotente. Roupas de algodão e de brim, alpercatas de couro curtido, como se o homem não fosse mais que um mero produto do seu meio. Também se viam muitas mulheres, austeras, mas sempre em bando, cobertas de pano, feito batinas femininas, como na Judéia, o lenço na cabeça vindo até o meio da testa, escondendo a metade das orelhas.
Olhava em torno, os olhos batendo no umbigo das pessoas e pensava que o mundo era aquela coleção de pernas de todas as cores e suas mãos crestadas.
Juazeiro era uma espécie de promessa para muitos, desde o tempo em que o Levita, com uma rara habilidade para extasiar multidões, pregava da janela de casa - privado que fora do púlpito -, para legiões de sertanejos que lhe acorriam, ávidos por uma bênção, qualquer bênção, nem que fosse tocar os panos sacrílegos de Maria de Araújo.
Como não havia hotéis populares, as famílias alugavam suas casas aos romeiros. Era uma festa para o meu espanto de menino, ver a confusão ordenada, aquela profusão de sacolas, toalhas penduradas nos punhos das redes, comida feita em caldeirões, redes em cima dos paus-de-arara, embaixo deles, por toda a parte.
Quando raiava a madrugada ouvia-se o crepitar do fogo sobre as pedras frias do quintal.
Com as horas, iam os romeiros girando a conta do rosário, a tagarelar nas feiras, em busca de quinquilharias, de modelos de terço, imagens de santos, utensílios de flandres e barracas de comida.
Para os olhos do menino de curiosidade infinita, aquela mistura de sotaques, de harmônicos dialetos, aquela entrega ao momento e a uma crença difusa em um mito escondido, fazia-me pensar que a vida se passa do mesmo jeito, em toda parte.
Os comerciantes, babando de ganância, onerando as tabuletas, explorando a sede e a fome dos penitentes forasteiros, chegando ao cúmulo de vender-lhes água.
Os vivaldinos, prontos a exercitar os seus finos bigodes contra a honra e a economia populares.
Os crédulos, dando alpiste à esperança. Uns, por fé mesmo, por não suportar o escuro, as névoas da grande pergunta. Outros, esperançosos, por sentirem que o amor existe e é universal. O amor é a conta de todas as coisas.
Assim também ocorrera com as procissões, em dias de fervor religioso, gostava de ver as beatas passarem, contritas, velas e terço na mão, cantando benditos, críveis, por quanto é sagrado, que pagavam a prestação de diminuto lote no céu.
Em uma das procissões, lembro que era domingo e que por cima da multidão a santa balançava no andor, com um ar piedoso e uma ponta de medo. Subi o nível dos olhos para o céu à minha frente. O azul do céu era um azul desmaiado, celeste, levemente escandaloso, um azul que dormiu e que, desperto, tem prazer em ver decorrer o dia e a vida seguir o seu curso inexorável. Enquanto passa a procissão, vejo crescer o meu corpo e meus pensamentos. Olho fixo como quem despe a coisa que se vê e vejo que a tarde cai e verte um cicio irresoluto.
Gosto das multidões porque elas se falam sem palavras, feito os amantes que se amam mesmo quando lhes cortam a língua. A multidão é o amor sem palavras