quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quem lavra, colhe (Por Tadeu Alencar em JC-Opinião, 27/12/2014)

Quem lavra, colhe

Já é dezembro e nem parece que o ano termina. Tantas tarefas a desempenhar, intermináveis coisas por fazer, que parece estamos em março, não fora o calor que não deixa margem à dúvida de que é verão. O ano de 2014 cambaleia, atacado pelo tempo, açoitado pelo apetite das horas, mas reúne energia para seguir o seu curso de pedras até dissipar o seu último cascalho.
Um ano que verte mel e fel, que pinga a alegria e a tristeza, como torneiras que - pingando - nos dão a certeza de que estamos sempre sob o fio da navalha.
Um ano cheio de cicatrizes, o rosto cortado várias vezes pela lâmina que não se cansa de rasgar a pele. A morte em sequência de Ariano Suassuna e Eduardo Campos é uma peça que só se prega para corroer a fé dos crédulos e que só a sina do sol, do couro e do sangue é capaz de decifrar.
Dantas Suassuna, debruçado sob o ataúde do pai, no Palácio do Campo das Princesas, barba espessa, vestido com uma bata cerimonial, solitário, emocionado, beato, rendia a sua última homenagem ao Imperador dos Sertões.
Inacreditável que em apenas 21 dias voltaríamos àquele salão onde Arraes resistiu, no mesmo dia da sua morte, para receber no rosto o ferro em brasa da Caetana cínica que abateu o líder.
A onça roedora - de olhos amarelos e pele esmaltada - que ataca as ovelhas que pastam desatentas, avançou por sobre o terreiro da casa, a presa arrastada na areia, o fundo do alpendre sem a rede estendida, uma tarde sem noite, longa, incurável.
Ariano jamais voltaria a deitar-se no chão dos aeroportos, senão em nossa memória que queima. Mas é preciso seguir, escolher do incêndio as coisas que ainda possam ser úteis e tocar a caminhada.
Os céticos afirmam ser o fel apenas a obviedade da tragédia humana, mas ainda há tanto por ser feito em matéria de esperança, que devemos fitar o céu em momentos de cansaço e nele encontrar azulados lenitivos.
Daqui da varanda assisto ao ano dançar o seu canto do cisne, a coroação do espetáculo do tempo. Olho a casa, em torno: caixas espalhadas, papéis, charutos, documentos, retratos, o inventário dos últimos anos, os haveres e os deveres escriturados nos bem-aventurados livros de anotações.
Muitas coisas aconteceram entre janeiro de 2007 e dezembro de 2014, que impactaram o nosso tempo. Vimos a história escorrer diante dos olhos. Das coisas que aconteceram, delas um dia hão de falar, pois ganharão a vivacidade da história contada. É cedo, ainda.
Houve tristezas, perdas, lágrima, que a vida também é dor. Mas houve emoções sem preço, coisas que fizeram o coração acelerar, a pupila crescer de tamanho, a vida se transformar.
E é por esse quente-frio da vida, a chuva e o sol, as quatro estações, que a cada enterro do ano, voltamos a ter grandes esperanças.
No bar próximo, jovens conversam animadamente, batem palmas, brindam e celebram o tempo de renovação, de mudar a pele como as cobras, de trocar as penas como as águias, que se reinventam no alto das montanhas.
Tadeu Alencar é deputado federal (PSB-PE) e procurador da Fazenda Nacional