sábado, 29 de junho de 2013

Elias, um raio de sol - P/Tadeu Alencar

JC/Opinião, 28/06/2013

Elias Lapenda era um sorriso. Pensá-lo agora, quando vagueia em uma prancha salpicada de estrelas, sobre as vagas do infinito, é pensar no seu rosto empático, no seu riso largo, cativante, aproximativo, de homem que sabia que a vida não cabe na palma da mão. Nunca o vi irritadiço, casmurro, depressivo, triste, blasfemando contra os céus, vermelho de raiva, apoplético. Jamais o vi reclamar do trânsito, do futebol, do calor, da chuva, da carestia, dos defeitos dos vizinhos, de dores pelo corpo. Era um otimista, um homem solar, que olhava pela janela, perscrutava as nuvens carregadas e, sem titubeios, dizia: daqui a pouco teremos um dia radiante... E o dia de sol entrava pela janela tão certo quanto a sua presença infatigável. Era treinado para a conversação amena, para a palestra entre cavalheiros, para a fumaça dos charutos que não fumava, para o calor dos drinques que não mais podia sorver. Um homem que sabia que a verdadeira glória é respirar entre amigos, sentar-se à mesa entre eles, num dia sem enfeites, tornado importante pela lucidez de quem já viveu o frenesi de muitas décadas. Acostumei-me à sua elegância diária nos quatro anos em que com ele convivi na Procuradoria Geral do Estado. Aposentado, não se concedia ponto facultativo e frequentava a sua instituição com a habitualidade construída no afeto, todos os dias, todas as manhãs, como um graduado oficial de chancelaria que matriculava nossa presença no velho edifício modernista da Rua do Sol. Ereto, camisa engomada, passada com esmero por dentro da calça, o blazer sob medida, passos curtos, tinha dimensão de que o seu papel fundamental era ser jovem, para que os jovens não se deixassem escravizar no bolor das formalidades inúteis e envelhecessem por antecipação. Ora, ora, dizia, para fugir de algum elogio inescapável, dos que, como eu, tiveram a ventura da sua convivência. Relembrando passagens de que fora atenta testemunha, travestia-se em um menino de calça curta, arrastando uma pipa no céu, olhos brilhantes, enquanto discorria sobre as grandezas pernambucanas, episódios históricos que se desenrolaram diante de seu semblante atento, da lealdade de suas mãos finas, acostumado que fora à convivência em palácios, onde serviu a Pernambuco em escolas de política que muito ensinaram ao Brasil, pelo sóbrio exercício do poder.

Foi um lutador, líder em sua classe, hábil articulador, transitando com maestria entre grupos distintos, como um membro do Conselho dos Sábios, que sugere rotas, que busca caminhos, sem a ousadia inconsequente da rebeldia sem propósito, mas com o comedido atrevimento dos que sabem que lutar é condição de permanência num Estado guerreiro como Pernambuco.

Recebeu-me de braços abertos desde a primeira hora. Acolheu-me como amigo fazendo-me sentir à vontade na casa alheia, aumentando a responsabilidade em representá-la, em conduzi-la. Deu-me a segurança de que o fiz com o senso do dever que não se aprende em manuais.

Fiquei em débito com um almoço, para uma entrevista prolongada, eu que gostava tanto de ouvir a sua voz, os seus comentários aos meus artigos, não houve um que não tenha lhe provocado telefonar-me, repetindo frases do texto e soltando a gargalhada contida: estou acompanhando, dizia satisfeito. Quando Ernani me passou a mensagem: "Dr. Elias faleceu hoje de manhã", eu engasguei. Era um dia chuvoso. Abri a janela, senti uma solidão que só a amizade explica e o vi dizer lá das nuvens, o sorriso largo de sempre: "daqui a pouco teremos um dia radiante".

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