JC/Opinião, 28/06/2013
Elias Lapenda era um sorriso.
Pensá-lo agora, quando vagueia em uma prancha salpicada de estrelas,
sobre as vagas do infinito, é pensar no seu rosto empático, no seu riso
largo, cativante, aproximativo, de homem que sabia que a vida não cabe
na palma da mão. Nunca o vi irritadiço, casmurro, depressivo, triste,
blasfemando contra os céus, vermelho de raiva, apoplético. Jamais o vi
reclamar do trânsito, do futebol, do calor, da chuva, da carestia, dos
defeitos dos vizinhos, de dores pelo corpo. Era um otimista, um homem
solar, que olhava pela janela, perscrutava as nuvens carregadas e, sem
titubeios, dizia: daqui a pouco teremos um dia radiante... E o dia de
sol entrava pela janela tão certo quanto a sua presença infatigável. Era
treinado para a conversação amena, para a palestra entre cavalheiros,
para a fumaça dos charutos que não fumava, para o calor dos drinques que
não mais podia sorver. Um homem que sabia que a verdadeira glória é
respirar entre amigos, sentar-se à mesa entre eles, num dia sem
enfeites, tornado importante pela lucidez de quem já viveu o frenesi de
muitas décadas. Acostumei-me à sua elegância diária nos quatro anos em
que com ele convivi na Procuradoria Geral do Estado. Aposentado, não se
concedia ponto facultativo e frequentava a sua instituição com a
habitualidade construída no afeto, todos os dias, todas as manhãs, como
um graduado oficial de chancelaria que matriculava nossa presença no
velho edifício modernista da Rua do Sol. Ereto, camisa engomada, passada
com esmero por dentro da calça, o blazer sob medida, passos curtos,
tinha dimensão de que o seu papel fundamental era ser jovem, para que os
jovens não se deixassem escravizar no bolor das formalidades inúteis e
envelhecessem por antecipação. Ora, ora, dizia, para fugir de algum
elogio inescapável, dos que, como eu, tiveram a ventura da sua
convivência. Relembrando passagens de que fora atenta testemunha,
travestia-se em um menino de calça curta, arrastando uma pipa no céu,
olhos brilhantes, enquanto discorria sobre as grandezas pernambucanas,
episódios históricos que se desenrolaram diante de seu semblante atento,
da lealdade de suas mãos finas, acostumado que fora à convivência em
palácios, onde serviu a Pernambuco em escolas de política que muito
ensinaram ao Brasil, pelo sóbrio exercício do poder.
Foi um
lutador, líder em sua classe, hábil articulador, transitando com
maestria entre grupos distintos, como um membro do Conselho dos Sábios,
que sugere rotas, que busca caminhos, sem a ousadia inconsequente da
rebeldia sem propósito, mas com o comedido atrevimento dos que sabem que
lutar é condição de permanência num Estado guerreiro como Pernambuco.
Recebeu-me
de braços abertos desde a primeira hora. Acolheu-me como amigo
fazendo-me sentir à vontade na casa alheia, aumentando a
responsabilidade em representá-la, em conduzi-la. Deu-me a segurança de
que o fiz com o senso do dever que não se aprende em manuais.
Fiquei
em débito com um almoço, para uma entrevista prolongada, eu que gostava
tanto de ouvir a sua voz, os seus comentários aos meus artigos, não
houve um que não tenha lhe provocado telefonar-me, repetindo frases do
texto e soltando a gargalhada contida: estou acompanhando, dizia
satisfeito. Quando Ernani me passou a mensagem: "Dr. Elias faleceu hoje
de manhã", eu engasguei. Era um dia chuvoso. Abri a janela, senti uma
solidão que só a amizade explica e o vi dizer lá das nuvens, o sorriso
largo de sempre: "daqui a pouco teremos um dia radiante".
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