sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Os três amores - Por Tadeu Alencar



Opinião JC - 26/02/2016

Os três amores

Tadeu Alencar

Celebro, por antecipação, três aniversariantes do dia 12 de março: Olinda, o Recife e o meu pai, Zeraldi, que completa 90 anos. O que dizer deles, que me deram à luz, que me acolheram em seu regaço e que formaram o meu caráter? Olinda é onde nasceu Pernambuco. É a gema da nacionalidade, território sagrado, o átomo do Brasil. Um lugar à beira mar plantado, com coqueiros e palmeiras que balançam ao vento, como se a preguiça fosse uma atividade laboral. Seu casario, seus sobrados coloniais, seus becos estreitos remetem à origem dos seus donatários. Portugal está em toda parte: nos mosteiros, no Horto Del Rey, no pátio dos mercados, na azulejaria, na culinária, nos jardins de onde se descortinam cativantes paisagens. “A República é filha de Olinda”, porque Bernardo Vieira, em 1710, proclamou-a pela primeira vez, sedimentando as revoluções que fizeram de Pernambuco uma província rebelde. Seu Carnaval é a apoteose desse espírito libertário, plural, cósmico, juntando a história, a alegria do povo e uma memória de lutas, que é patrimônio da humanidade. Parabéns, Marim dos Caetés!
Já o Recife, a primeira vez que nele pus os olhos, foi como um menino que lambe à distância o algodão doce, sem que tenha como comprá-lo. Tinha 14 anos e fiquei como aceso, mirando os prédios, o nome das ruas, a sinuosidade dos rios, a floração dos ipês, o casario da Rua da Aurora: até a fumaça dos ônibus me cativara. Fui desvendando a pátria do Recife pelos becos tortos de São José, um frenesi de gente vendendo, comprando, olhando. O prazer dos sentidos, o aroma dos temperos, as frutas olorosas, as mulatas socando o apurado entre os peitos, a Basílica da Penha, a Igreja do Terço, São Pedro dos Clérigos. O pecado e a penitência coexistindo em harmonia. Aquele é um Recife para iniciados, Recife dos negros, Recife do povo. Em Santo Antônio, pontificavam o Santa Izabel, o Palácio das Princesas, o Tribunal de Justiça, as esculturas da Praça da República. A casa da cultura e a ponte de ferro me fascinaram.
Na Facvldade de Direito pareceu-me estar destinado àquela beleza sóbria, sem disfarces. O Recife Antigo me viria depois, a alfandegária zona, a boêmia, Valdemar Marinheiro, a casa de banhos, o molhe dos arrecifes, o Cais Estelita. O Recife foi um destino escolhido, um vício calculado, uma tatuagem sem agulhas, por que feita com o fogo da memória. Parabéns, cidade lendária!
Quanto ao caçula dos aniversariantes, meu pai, a primeira lembrança que guardo é a de um homem com óculos de aviador, numa rural repleta de filhos. Eram oito. Em razão da orfandade precoce, órfão de pai aos 3 anos e de mãe aos 15, meu pai nunca foi dado a expansões no contato físico. O afeto, embora abundante, sempre fora silencioso e comedido, mas regente de uma boa conversação. Incutiu nos filhos o valor do trabalho, a educação como fonte de cidadania e a altivez, jamais confundida com soberba, nem com a imprudência, travestida de falsa coragem. Nas festas, gostava de dançar com minha mãe, era um pé de valsa. Tinha uma coleção de discos que me turvava a razão. “Mágoas de um Chorão” era um primoroso tratado sobre o clarinete, que encheu as minhas tardes, da esperança de que a vida pudesse encerrar mais que a apatia e o tédio que emanam das ordenações cotidianas. Valsas, boleros, chorinhos, baião, tangos, rumbas, “Rumbas Inolvidables” foram a trilha sonora da minha vida com meu pai. Hoje, na iminência dos 90 anos - que os céus hão de permitir e muito mais - sinto-me em débito com ele. Ele que quase não teve pai, foi um pai exemplar. Um homem digno, honesto, solidário, sensível, corajoso, guerreiro: um homem integral! Parabéns, meu querido Pai, que Deus conceda-me a ti, a Olinda e a Recife, meus três amores, uma vida ainda mais longa!
Tadeu Alencar é deputado federal (PSB-PE)


quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Quem lavra, colhe (Por Tadeu Alencar em JC-Opinião, 27/12/2014)

Quem lavra, colhe

Já é dezembro e nem parece que o ano termina. Tantas tarefas a desempenhar, intermináveis coisas por fazer, que parece estamos em março, não fora o calor que não deixa margem à dúvida de que é verão. O ano de 2014 cambaleia, atacado pelo tempo, açoitado pelo apetite das horas, mas reúne energia para seguir o seu curso de pedras até dissipar o seu último cascalho.
Um ano que verte mel e fel, que pinga a alegria e a tristeza, como torneiras que - pingando - nos dão a certeza de que estamos sempre sob o fio da navalha.
Um ano cheio de cicatrizes, o rosto cortado várias vezes pela lâmina que não se cansa de rasgar a pele. A morte em sequência de Ariano Suassuna e Eduardo Campos é uma peça que só se prega para corroer a fé dos crédulos e que só a sina do sol, do couro e do sangue é capaz de decifrar.
Dantas Suassuna, debruçado sob o ataúde do pai, no Palácio do Campo das Princesas, barba espessa, vestido com uma bata cerimonial, solitário, emocionado, beato, rendia a sua última homenagem ao Imperador dos Sertões.
Inacreditável que em apenas 21 dias voltaríamos àquele salão onde Arraes resistiu, no mesmo dia da sua morte, para receber no rosto o ferro em brasa da Caetana cínica que abateu o líder.
A onça roedora - de olhos amarelos e pele esmaltada - que ataca as ovelhas que pastam desatentas, avançou por sobre o terreiro da casa, a presa arrastada na areia, o fundo do alpendre sem a rede estendida, uma tarde sem noite, longa, incurável.
Ariano jamais voltaria a deitar-se no chão dos aeroportos, senão em nossa memória que queima. Mas é preciso seguir, escolher do incêndio as coisas que ainda possam ser úteis e tocar a caminhada.
Os céticos afirmam ser o fel apenas a obviedade da tragédia humana, mas ainda há tanto por ser feito em matéria de esperança, que devemos fitar o céu em momentos de cansaço e nele encontrar azulados lenitivos.
Daqui da varanda assisto ao ano dançar o seu canto do cisne, a coroação do espetáculo do tempo. Olho a casa, em torno: caixas espalhadas, papéis, charutos, documentos, retratos, o inventário dos últimos anos, os haveres e os deveres escriturados nos bem-aventurados livros de anotações.
Muitas coisas aconteceram entre janeiro de 2007 e dezembro de 2014, que impactaram o nosso tempo. Vimos a história escorrer diante dos olhos. Das coisas que aconteceram, delas um dia hão de falar, pois ganharão a vivacidade da história contada. É cedo, ainda.
Houve tristezas, perdas, lágrima, que a vida também é dor. Mas houve emoções sem preço, coisas que fizeram o coração acelerar, a pupila crescer de tamanho, a vida se transformar.
E é por esse quente-frio da vida, a chuva e o sol, as quatro estações, que a cada enterro do ano, voltamos a ter grandes esperanças.
No bar próximo, jovens conversam animadamente, batem palmas, brindam e celebram o tempo de renovação, de mudar a pele como as cobras, de trocar as penas como as águias, que se reinventam no alto das montanhas.
Tadeu Alencar é deputado federal (PSB-PE) e procurador da Fazenda Nacional

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O que muda com a saída da PDVSA

JC / Economia, 25/09/2013

REFINARIA Petrobras desiste de parceria com venezuelanos e cortará custos na Abreu e Lima



A novela que se estende há 10 anos acabou. A Petrobras desistiu de esperar pela Petroleos de Venezuela S.A (PDVSA) para integrar a sociedade na Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em construção no Complexo de Suape. A petrolífera venezuelana teria 40% de participação e a estatal brasileira os 60% restantes. Sem acordo para a criação de uma empresa binacional, a Rnest deixará de ser uma subsidiária para se transformar em uma unidade de negócios. Na próxima segunda-feira, durante uma assembleia extraordinária, a Petrobras vai aprovar a incorporação da refinaria pernambucana dentro do Programa de Otimização de Custos Operacionais (Procop). Além da Rnest, a lista também inclui o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e a Sociedade Fluminense de Energia (SFE). 

Na prática, a incorporação da Rnest vai permitir um enxugamento da estrutura e a redução de custos. Hoje, a refinaria conta com o organograma completo de uma empresa, com presidente e diretores, conselhos de administração e fiscais próprios e obrigação de publicar balanços separados. Pela nova estrutura, o empreendimento terá um gerente geral que responderá à Petrobras. Procurado pela reportagem do JC, o presidente da Rnest, Marcelino Guedes (no cargo desde agosto de 2008), informou que qualquer assunto relacionado à PDVSA deve ser tratado, a partir de agora, pela área corporativa do sistema Petrobras. Por meio de sua assessoria de comunicação, a estatal disse que não iria se pronunciar sobre a saída da PDVSA e a incorporação da Rnest.

Em conversas informais com a imprensa, Marcelino sempre deixou escapar que a missão dele aqui é construir e entregar a refinaria e depois voltar para o Rio de Janeiro. Funcionário de carreira da Petrobras, o engenheiro carioca atuava como diretor da Transpetro antes de assumir a Rnest. No mercado local, Marcelino é reconhecido como o mentor da estratégia de aumentar a participação das empresas locais e dos pernambucanos no empreendimento. As especulações dão conta que o cargo de gerente geral será ocupado por outro executivo.

Sócio da fluminense A&P Consultoria e especialista em petróleo e gás, Arthur Pimentel, acredita que a mudança será boa para o Brasil e para Pernambuco no médio e longo prazos. "Isso faz parte do plano da Petrobras de ter uma gestão corporativa mais competitiva. Além de reduzir custos, essa incorporação vai aumentar a velocidade das decisões e a ingerência da Petrobras sobre o empreendimento", observa. Do ponto de vista do projeto, a previsão é que sejam necessárias algumas adaptações. "A refinaria está orientada ao processamento de petróleo pesado. As As possíveis adaptações não terão muito mistério, porque o óleo venezuelano também é pesado", complementa Pimentel.

Em abril, o diretor de Abastecimento da Petrobras, José Carlos Cosenza, disse que caso fosse confirmada a desistência da PDVSA, a adaptação necessária custaria algo em torno de 5% do total do projeto, estimado hoje em US$ 17 bilhões. Isso significaria um acréscimo de US$ 850 milhões no valor global.
Um executivo da Petrobras confirma que a Rnest vai se transformar em uma unidade de negócios, mas rebate a informação de que a PDVSA estaria fora. Diz que a mudança de modelo de gestão não impede o ingresso da petrolífera venezuelana. Apesar da possibilidade, a volta ao projeto está descartada. A empresa está em crise, sem conseguir realizar novos investimentos no parque de refino de seu próprio país, a política nacional está se reacomodando após a morte do presidente Hugo Chávez em março desse ano, a Petrobras não aceitou receber a parte da Venezuela em Petróleo e a PDVSA não conseguiu oferecer as garantias ao BNDES para entrar como sócia. 

A assinatura dos protocolos de entendimentos entre Brasil e Venezuela para a construção da Rnest completou 10 anos em abril. As tratativas não avançaram e a PDVSA não chegou investir um único dólar. Em março de 2012, a Petrobras já havia aplicado no empreendimento os R$ 9,9 bilhões financiados pelo BNDES e, a partir de então passou a fazer desembolsos do próprio caixa. A obra, que começou a ser construída em 2007, está com 80% de execução, 40 mil funcionários e previsão de processar o primeiro barril de petróleo em novembro de 2014

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O amor sem palavras

Por Tadeu Alencar, em JC/Opinião 30/08/2013

É bom o calor das multidões. Nas romarias de Juazeiro gostava de serpentear entre os nordestinos de chapéu de palha, que acorriam à meca de desassistidos e aventureiros em busca de um milagre. Menino curto gostava de ver os tipos, pois sempre entendi que as savanas são savanas porque existem os leões e as zebras. Não apenas porque são bonita paisagem. Homens de rosto curtido de sol, marcados pelos anos de estio, a barba hirta, olhos transidos de uma fé impotente. Roupas de algodão e de brim, alpercatas de couro curtido, como se o homem não fosse mais que um mero produto do seu meio. Também se viam muitas mulheres, austeras, mas sempre em bando, cobertas de pano, feito batinas femininas, como na Judéia, o lenço na cabeça vindo até o meio da testa, escondendo a metade das orelhas.
Olhava em torno, os olhos batendo no umbigo das pessoas e pensava que o mundo era aquela coleção de pernas de todas as cores e suas mãos crestadas.
Juazeiro era uma espécie de promessa para muitos, desde o tempo em que o Levita, com uma rara habilidade para extasiar multidões, pregava da janela de casa - privado que fora do púlpito -, para legiões de sertanejos que lhe acorriam, ávidos por uma bênção, qualquer bênção, nem que fosse tocar os panos sacrílegos de Maria de Araújo.
Como não havia hotéis populares, as famílias alugavam suas casas aos romeiros. Era uma festa para o meu espanto de menino, ver a confusão ordenada, aquela profusão de sacolas, toalhas penduradas nos punhos das redes, comida feita em caldeirões, redes em cima dos paus-de-arara, embaixo deles, por toda a parte.
Quando raiava a madrugada ouvia-se o crepitar do fogo sobre as pedras frias do quintal.
Com as horas, iam os romeiros girando a conta do rosário, a tagarelar nas feiras, em busca de quinquilharias, de modelos de terço, imagens de santos, utensílios de flandres e barracas de comida.
Para os olhos do menino de curiosidade infinita, aquela mistura de sotaques, de harmônicos dialetos, aquela entrega ao momento e a uma crença difusa em um mito escondido, fazia-me pensar que a vida se passa do mesmo jeito, em toda parte.
Os comerciantes, babando de ganância, onerando as tabuletas, explorando a sede e a fome dos penitentes forasteiros, chegando ao cúmulo de vender-lhes água.
Os vivaldinos, prontos a exercitar os seus finos bigodes contra a honra e a economia populares.
Os crédulos, dando alpiste à esperança. Uns, por fé mesmo, por não suportar o escuro, as névoas da grande pergunta. Outros, esperançosos, por sentirem que o amor existe e é universal. O amor é a conta de todas as coisas.
Assim também ocorrera com as procissões, em dias de fervor religioso, gostava de ver as beatas passarem, contritas, velas e terço na mão, cantando benditos, críveis, por quanto é sagrado, que pagavam a prestação de diminuto lote no céu.
Em uma das procissões, lembro que era domingo e que por cima da multidão a santa balançava no andor, com um ar piedoso e uma ponta de medo. Subi o nível dos olhos para o céu à minha frente. O azul do céu era um azul desmaiado, celeste, levemente escandaloso, um azul que dormiu e que, desperto, tem prazer em ver decorrer o dia e a vida seguir o seu curso inexorável. Enquanto passa a procissão, vejo crescer o meu corpo e meus pensamentos. Olho fixo como quem despe a coisa que se vê e vejo que a tarde cai e verte um cicio irresoluto.
Gosto das multidões porque elas se falam sem palavras, feito os amantes que se amam mesmo quando lhes cortam a língua. A multidão é o amor sem palavras

domingo, 25 de agosto de 2013

SUAPE: Indústria do petróleo é alvo de críticas

Do JC/Economia, 25/08/2013



O caminho do crescimento trilhado pela indústria de petróleo, gás e offshore é também o principal ponto das críticas contra o modelo de desenvolvimento econômico implantado no Litoral Sul. "O petróleo é uma indústria suja e do século passado", diz o professor da UFPE Heitor Scalambrini, especialista em energia. "Não existe risco zero em engenharia", argumenta, citando um estudo realizado pela Academia de Ciências dos Estados Unidos. "Atividades navais são responsáveis por 33% dos vazamentos de petróleo no ambiente marinho", alerta. Para ele, os tubarões na praia de Boa Viagem são apenas uma pequena parte dos efeitos colaterais de Suape. Os riscos de acidentes ecológicos tendem a crescer, à medida que a movimentação de óleo aumente no litoral pernambucano, quando a Refinaria começar a operar, no fim de 2014.

O professor classifica os estaleiros navais - a exemplo do Atlântico Sul, que já entregou dois navios, o Promar e o CMO, em construção - como uma indústria suja. Também critica a forma como a indústria de Suape alimenta sua produção. "O Brasil começou com leilões de termoelétricas (a partir do apagão de 2001) que geram energia a partir do óleo combustível", salienta. Além da TermoPernambuco, que faz parte desse sistema de segurança energética, a refinaria vai passar a operar outra térmica naquela região. Será a quarta. "Juntas, a TermoPernambuco, a UTE TermoCabo, a Suape II e a nova termelétrica da refinaria vão jogar mais de mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera quando em funcionamento", calcula.
A economista Tânia Bacelar, ressalva, no entanto, que esse é um problema "positivo". "É melhor ter essa indústria do que não tê-la", opina. Ela lembra que é importante para Pernambuco ter entrado na cadeia produtiva escolhida pelo Brasil para se desenvolver nos próximos anos e cujo o maior trunfo são os campos do Pré-sal. Além disso, o desenvolvimento industrial tem repercussões em toda a economia, como no setor de serviços.

A sua empresa, a Ceplan, presta consultoria para Suape, assim como inúmeros outros escritórios locais desenvolvem trabalhos para as indústrias que lá chegam. "Se não fosse isso, estaríamos buscando clientes em outros Estados", completa. Tânia Bacelar reconhece que ainda há muito a ser feito com relação à preservação ambiental daquela região, e destaca a importância de a sociedade ficar de olho nas atividades desenvolvidas no território. As recentes manifestações populares que aconteceram de forma pacífica no Recife não chamaram a atenção das autoridades sobre esse aspecto ambiental.
Com relação ao tema social, a professora destaca que as indústrias e os esforços de educação que estão em implantação, tanto do Estado como da própria indústria, podem salvar os filhos dos trabalhadores da cana, que durante séculos foram condenados à ignorância e à miséria da cultura canavieira. A nova geração da Mata Sul tem hoje, finalmente, uma opção.

Suape diante do desafio ambiental

Do JC / Economia, 25/08/2013



Demanda por preservação dos recursos naturais torna Porto mais receptivo ao diálogo e à busca de um modelo de desenvolvimento sustentável - Leonardo Spinelli -lspinelli@jc.com.br

Como fazem semanalmente às segundas-feiras, os pescadores da Colônia Z8 em Gaibu, praia do Cabo de Santo Agostinho, se reuniram para mais um debate sobre seu ofício. Nesse dia, início de agosto, a pauta tinha um quê de novidade. Estavam lá para debater propostas de convivência e compensação de impacto ambiental apresentadas ao Complexo Portuário e Industrial de Suape. Como contrapartida pelas obras de acesso de navios, o complexo é obrigado a propor soluções para evitar desequilíbrios ambientais. A reunião simboliza uma nova relação entre desenvolvimento econômico e preservação de ecossistemas. Não cabe mais aquele velho debate em que um e outro não se misturam. Daqui para frente, é planejar o principal instrumento do desenvolvimento industrial de Pernambuco - Suape - levando em conta aspectos que não podem ser descartados, todos eles relacionados ao meio ambiente.

Uma das ideias discutidas naquela reunião era instalar arrecifes artificiais, proposição que agrada à maioria dos pescadores. Os objetos afundados se transformam em berçários de peixes, cada vez mais raros por ali. A outra é organizar o chamado fundeio dos navios, definindo locais específicos para as embarcações estacionarem enquanto esperam sua vez de entrar no porto. Para os pescadores, gente que vive há décadas naquela região, Suape é um vizinho tão poderoso quanto incômodo. Suas atividades são estratégicas para a economia de Pernambuco, mas afastaram pescados e turistas da região. "Agora só tem funcionários por aqui e eles comem nas fábricas, não os nossos peixes", diz o presidente da Colônia, Laílson de Souza. Para os pescadores, a entrega do estudo marca uma mudança na postura de Suape, hoje mais aberto ao diálogo. Seria fruto também do amadurecimento deles próprios.

Há seis anos, o complexo intensificou ações, dinamitando corais que serviam de berçário para lagostas - pescado com rigorosas proteções à pesca. O interesse foi o de abrir caminho para navios cada vez maiores. Também aterrou mangue para instalação de indústrias. São efeitos colaterais de um "progresso brutal", como definem eles. Mas são também reflexos do desenvolvimento que gera renda e emprego para muitos.
Os pescadores aprenderam que não adiantava ficar parado e passaram a ser mais aguerridos em suas posições. Estudaram a região, passaram a se informar sobre o meio ambiente, aliaram-se a ambientalistas, buscaram a Justiça e até mesmo a ONU, em 2011, para denunciar desmandos.

"Suape não para", diz o pescador Ednaldo Rodrigues, conhecido como Nal. A frase resume o que os pescadores descobriram na prática. Não há como impedir um projeto tão importante para a economia do Estado, que já atraiu 105 indústrias para o local, 80 delas a partir de 2007. Já não há mais tempo para questionar o modelo de desenvolvimento econômico pensado para aquela região estuária, que, para o bem o para o mal, terminou com a vocação natural do turismo e da cultura da pesca e agricultura. Prevaleceu a indústria. Agora é brigar para que Suape e o governo cumpram suas obrigações socioambientais. "Não existe desenvolvimento sem sustentabilidade", completa Nal. A ajuda de custo de R$ 400 mais uma cesta básica de R$ 70 que os pescadores recebem de Suape não diminuiu a vontade de buscar novas soluções.
Para os agricultores que vivem da terra, o clima ainda parece não ter mudado. O temor de que seu pedaço de chão seja considerado de interesse estratégico é uma constante. São 7 mil famílias que residem nas terras de antigos engenhos daquela parte da Mata Sul do Estado, 2,6 mil delas vivendo em áreas que são consideradas por Suape como zonas industriais ou de proteção ecológica. Muitas estão sendo obrigadas a sair. As imagens de tratores derrubando casas, com apoio da polícia, ainda estão bastante vivas na cabeça dessas pessoas, apesar de a situação ter se acalmado. "Estão levando em banho-maria", diz o presidente da Associação dos Agricultores do Engenho Tiriri, Edvaldo Nascimento.

Octagenário, o agricultor Luiz Abílio da Silva morou a maior parte de sua vida no local, cortando cana e plantando roçado, de onde tirava boa parte de sua alimentação diária. Foi desapropriado e recebeu R$ 60 mil, que ele considera insuficiente.

A diretoria de Suape diz que conseguiu avanços, citando parcerias de financiamento habitacional com a Caixa de R$ 258 milhões para construção de 2,6 mil casas (o contrato deve ser assinado em outubro) e construção de assentamentos (121 famílias foram para Barreiros). "De 2011 para cá, o número de acordos com as famílias aumentou 22%. Assinamos 571 deles", pontua o vice-presidente de Suape, Caio Ramos.
O principal problema em questão é que os agricultores entendem que a terra pertence a um loteamento do Incra, com registro para reforma agrária assinado em 1970. Suape, por sua vez, entende que comprou a área 10 anos depois e, portanto, as indenizações são calculadas sobre o valor dos imóveis construídos e não sobre o valor milionário das terras. Para pessoas como o agricultor José Silvino da Silva, do engenho Titiri, hoje considerado área de Suape, a economia em larga escala, no entanto, é um monstro de dentes afiados. "Não somos contra o desenvolvimento de Pernambuco nem do Brasil. Só queremos uma indenização digna", resume

sábado, 3 de agosto de 2013

Erro bilionário na refinaria


JC/Economia, 30/07/2013
TCU questiona projeto básico da Petrobras que teria gerado R$ 2 bi em aditivos no empreendimento

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que a Refinaria Abreu e Lima, no Complexo de Suape, soma quase R$ 2 bilhões em faturas de serviços não previstos originalmente, mas necessários, por causa de erros da Petrobras. Em acórdão aprovado no último dia 10, o TCU entende que falhas no projeto básico da refinaria causaram um efeito cascata de erros nas diversas etapas da construção, gerando aditivos já aprovados que somam R$ 943 milhões, fora R$ 1 bilhão em cobranças ainda sob análise da estatal.
Para o TCU, as falhas começaram no planejamento da obra, uma sucessão de erros que, além de onerar as fases seguintes, atrasou todo o projeto e fez a petrolífera pagar mais para acelerar a construção. As obras começaram em 2005. Os números atuais são de entregar a primeira etapa em novembro de 2014 e a segunda em maio de 2015, com orçamento de R$ 35,8 bilhões. A refinaria é a primeira da Petrobras em 30 anos. Ela terá capacidade para 230 mil barris de petróleo por dia e vai fabricar diesel e gás de cozinha, entre outros.
Segundo o relator do processo no TCU, ministro Benjamin Zymler, as falhas começaram na falta de estudos adequados para a refinaria. O chamado "solo mole", por exemplo, exigiu muito mais serviços no projeto, da terraplenagem a estruturas metálicas. Também houve uma soma de fatores aliados aos erros. Alguns contratos precisaram ser relicitados, um processo que durou 9 meses. Como é de amplo conhecimento na região, o Grande Recife tem anualmente períodos de fortes chuvas e a falta de uma drenagem adequada, ainda que temporária, provocou alagamentos no terreno e o desmoronamento das margens de valas construídas para abrigar tubovias, enormes tubulações para o petróleo circular abaixo do térreo da refinaria.
As falhas, relata Zymler, geraram aditivos em quase todos os contratos avaliados. Um dos exemplos do TCU é justamente o contrato de tubovias, que teve 586% mais estacas que o previsto originalmente para fixar as tubulações, um gasto adicional de R$ 150 milhões, descreve o relator.
"A inadequação dos projetos das obras, principalmente com relação à definição da solução da fundação, gerou a necessidade de uma revisão dos projetos após a assinatura dos contratos, a qual proporcionou atraso no início dos serviços e no prazo de conclusão das obras. Por essa razão, houve significativos acréscimos nos valores dos contratos em análise, cujo propósito foi minimizar os impactos de tal atraso no cronograma de partida do empreendimento", descreve o relatório de Zymler, aprovado pelos demais ministros.
Ainda de acordo com o TCU, a "aceleração" da obra, para compensar os atrasos, custou R$ 501 milhões. Devido à gravidade dos problemas, o TCU estipulou prazos para não só ouvir a Petrobras, mas também para identificar os responsáveis pelos projetos básicos deficientes.
A Petrobras e o TCU têm um acumulado de desentendimentos envolvendo a Refinaria Abreu e Lima.
Este ano, o Tribunal analisou R$ 12 bilhões em contratos do projeto, mas auditorias do tribunal têm apontado irregularidades desde 2009, um suposto sobrepreço total de R$ 1,5 bilhão.