domingo, 18 de novembro de 2012

A decência

P/Tadeu Alencar, em Opinião JC, 18/11/2012

Fui criado num ambiente que sempre respeitou a hora da refeição. Meu pai costumava dizer: a hora da refeição é sagrada. Nada de barulho, de assuntos controvertidos, nem doenças, nem boatos. Tempo bom de regras saudáveis, de civilidade, de vizinhança, do sal emprestado, tempo de alvoradas, tempo de fio no bigode, tempo de bengalas.
Retirar o chapéu ao entrar na igreja, praticar o silêncio diante dos mortos, a reverência certa diante dos vivos foram lições aprendidas no cacoete das gerações. Conduta na vida e na morte é necessária. Respeitar-se o dinheiro público, lealdade nos negócios e honestidade de propósito é como devem ser regidas as relações entre os homens.
Aprendi com meu pai, um homem simples, que a maior ventura na vida é ser altivo, firme sem destemperos, lhano sem concessões às vacilações de qualquer espécie, cônscio de que se fez por merecer a confiança dos seus contemporâneos. Nada de conversas esquivas, ambíguas, maledicências, rapinagens de qualquer espécie. Nada de olhos revirando com concupiscência, nada de favores excessivos, presentes exageradamente generosos.
Sociáveis e sem preconceitos devemos precavermo-nos com os que entram sem bater ou com os que batendo saem a porta.
Nada de ladrão de cavalos.
Devemos evitar os que espreitam atrás das portas para ouvir segredos de que não são merecedores ou os que violam a intimidade das correspondências ou a sacralidade dos confessionários. São capazes de toda vilania.
A esperteza é um defeito do caráter, pois não se confunde com a astúcia ou com a perspicácia. Gosto dos que dão estatura aos cargos, não dos que se servem dos cargos para ter estatura. O ofício público é uma atividade nobre, mas é em privado que praticamos a virtude, que é planta criada em cativeiro.
Recebi lições de que é importante poupar um pouco da renda, represar as águas para os tempos de estio, plantar árvores, proteger velhos e crianças e defender os pobres, qualquer um que esteja em desvantagem, pois devemos diminuir a distância entre o homem e sua inexplicável soberba. Justiça e igualdade são proto-princípios.
Aprender que a hora da refeição é sagrada preparou-me para a vida. Deu-me olhos de ver que é preciso exercitar a virtude, como qualquer outro músculo do corpo, pois que ela é qualidade que se desintegra quando ociosa ou que se torna flácida quando sedentária.
A avenida da história não é um palco para as miudezas, para gestos curtos, para a pilhagem muitas vezes travestida de ofício regular. Por isso precisamos educar as crianças para sorrirem apenas porque é um dia de sol, ou apenas porque chove, não porque precisam dissimular simpatia. Devemos convencer a juventude de que é importante perseverar e ter esperança. A vida está repleta de motivos.
Parece que vivemos tempos de selvageria, de modos impróprios à mesa - a gordura escorrendo pelos cantos da boca, lambuzando o indefeso avental. Tempos de duelo sem luvas, sem punhos, sem renda, de uma guerra sem regras.
Conheci pessoas extraordinárias que tinham um brilho no olhar como os fanáticos. Um ar de sonho como quem conversa com o futuro, magnéticas na aproximação e, por isso, fascinantes. Estas são as fundamentais.
Outras, pelo barulho de hiena, quando riem ou quando falam, estão condenadas ao rodapé da história, ao ácaro dos ambientes fechados, à mera poeira sobre os livros.
Tadeu Alencar é procurador da Fazenda Nacional e Secretário da Casa Civil

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