segunda-feira, 1 de abril de 2013

Bonito para chover (Por Tadeu Alencar)


Opinião JC - 24/03/2013 

O ano era 1979. Participei da organização que recepcionou o governador Miguel Arraes no aeroporto regional do Cariri, quando este voltava do exílio na Argélia. Mobilizamos estudantes, artistas, simpatizantes do MDB, a população, com uma Kombi e um megafone, para a chegada do maior líder popular da história recente do País. Havia uma pequena multidão quando o avião apontou no horizonte e, tocando a pista, saiu saracoteando, o sol causticando a fuselagem, o barro vermelho exalando o calor setembrino do Sertão. As pessoas pareciam eufóricas, dominadas pela intuição de que vivenciavam um momento marcante.
Aberta a porta, surge um homem altivo, magnético, olhos de um azul profundo, o vento soprando no rosto curtido como uma saudação vinda das locas da serra que o vira nascer. Passou a mão nos cabelos e fez um gesto que lhe ficaria como uma marca personalíssima: levantou o braço esquerdo, a mão aberta, e acenou para o povo. Desceu lentamente os degraus, caminhou decidido entre os que o queriam abraçar, emocionado, mas sem perder o ar austero, quase casmurro e saímos em carreata até a velha casa da Rua João Pessoa, no Crato, onde o esperava a mãe, Benigna, e as irmãs. A casa, de alpendrada em derredor, amenizava o calor e o jardim, bem cuidado, rescendendo a jasmim, estava intransitável, havia os que queriam ver, ouvir, tocar aquele homem que a ditadura alardeara como uma ameaça ao País. Fiquei por ali, cofiando um bigode que não tinha, comovido, ao ver aquele que a vida inteira fora apenas um retrato entre as coisas velhas do porão. De inopino, cioso de que a história carece de quem lhe dê forma, subiu no muro baixo que circundava a casa e fez um discurso memorável.
Aquela cena marcou a minha vida. De lá para cá elegemos governadores - como Arraes - comprometidos com as lutas populares, fizemos a Constituinte, as eleições diretas, conquistamos a estabilidade econômica e elegemos um operário, um homem do povo, para presidente da República. Em oito anos dos governos do presidente Lula os avanços foram inegáveis, em especial a promoção social dos programas de distribuição de renda, que permitiram a milhões de brasileiros libertarem-se da pobreza extrema. Em sequência vivenciamos o governo da primeira mulher a presidir o País, Dilma Rousseff, com uma história de lutas, de vida limpa, torturada e perseguida, o que a faz um exemplo de que o Brasil mudou.
Em Pernambuco, este Estado libertário, em permanente ebulição, um jovem governante surpreende e muda o padrão da gestão pública para imprimir um ritmo e uma diretriz política que transforma a matriz socioeconômica do Estado e faz a máquina pública girar em favor dos que mais precisam. Há mudanças estruturais na segurança pública, na saúde e na educação. Todavia, para aprofundar essas mudanças é indispensável um novo pacto. Em 1988, 77% do bolo tributário da União era compartilhado com os Estados e municípios e hoje, claudicante a federação, menos de 50% das receitas da União são divididas com os entes subnacionais, em manifesta afronta ao equilíbrio federativo. Por outro lado, há necessidade de uma nova coalizão que modernize os costumes políticos, que coloque o Estado a serviço do povo, o Brasil oficial de frente para a cidadania. Essa não é tarefa de um segmento, de um partido. Mas vai além deles. Volto a cofiar um bigode que não tenho e vejo as mãos brancas de Arraes adivinhando o futuro. A luta hoje é diferente, mas é feita da mesma matéria: o sonho de ver o Brasil seguindo em frente, vencendo os seus inúmeros desafios.
Tadeu Alencar é procurador da Fazenda Nacional

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