Opinião JC - 24/03/2013
O ano era 1979. Participei da organização que recepcionou o governador Miguel
Arraes no aeroporto regional do Cariri, quando este voltava do exílio na
Argélia. Mobilizamos estudantes, artistas, simpatizantes do MDB, a população,
com uma Kombi e um megafone, para a chegada do maior líder popular da história
recente do País. Havia uma pequena multidão quando o avião apontou no horizonte
e, tocando a pista, saiu saracoteando, o sol causticando a fuselagem, o barro
vermelho exalando o calor setembrino do Sertão. As pessoas pareciam eufóricas,
dominadas pela intuição de que vivenciavam um momento marcante.
Aberta a porta, surge um homem altivo, magnético, olhos de um azul profundo,
o vento soprando no rosto curtido como uma saudação vinda das locas da serra
que o vira nascer. Passou a mão nos cabelos e fez um gesto que lhe ficaria como
uma marca personalíssima: levantou o braço esquerdo, a mão aberta, e acenou
para o povo. Desceu lentamente os degraus, caminhou decidido entre os que o
queriam abraçar, emocionado, mas sem perder o ar austero, quase casmurro e
saímos em carreata até a velha casa da Rua João Pessoa, no Crato, onde o
esperava a mãe, Benigna, e as irmãs. A casa, de alpendrada em derredor,
amenizava o calor e o jardim, bem cuidado, rescendendo a jasmim, estava
intransitável, havia os que queriam ver, ouvir, tocar aquele homem que a
ditadura alardeara como uma ameaça ao País. Fiquei por ali, cofiando um bigode
que não tinha, comovido, ao ver aquele que a vida inteira fora apenas um
retrato entre as coisas velhas do porão. De inopino, cioso de que a história
carece de quem lhe dê forma, subiu no muro baixo que circundava a casa e fez um
discurso memorável.
Aquela cena marcou a minha vida. De lá para cá elegemos governadores - como
Arraes - comprometidos com as lutas populares, fizemos a Constituinte, as
eleições diretas, conquistamos a estabilidade econômica e elegemos um operário,
um homem do povo, para presidente da República. Em oito anos dos governos do
presidente Lula os avanços foram inegáveis, em especial a promoção social dos
programas de distribuição de renda, que permitiram a milhões de brasileiros
libertarem-se da pobreza extrema. Em sequência vivenciamos o governo da
primeira mulher a presidir o País, Dilma Rousseff, com uma história de lutas,
de vida limpa, torturada e perseguida, o que a faz um exemplo de que o Brasil
mudou.
Em Pernambuco, este Estado libertário, em permanente ebulição, um jovem
governante surpreende e muda o padrão da gestão pública para imprimir um ritmo
e uma diretriz política que transforma a matriz socioeconômica do Estado e faz
a máquina pública girar em favor dos que mais precisam. Há mudanças estruturais
na segurança pública, na saúde e na educação. Todavia, para aprofundar essas
mudanças é indispensável um novo pacto. Em 1988, 77% do bolo tributário da
União era compartilhado com os Estados e municípios e hoje, claudicante a
federação, menos de 50% das receitas da União são divididas com os entes
subnacionais, em manifesta afronta ao equilíbrio federativo. Por outro lado, há
necessidade de uma nova coalizão que modernize os costumes políticos, que
coloque o Estado a serviço do povo, o Brasil oficial de frente para a
cidadania. Essa não é tarefa de um segmento, de um partido. Mas vai além deles.
Volto a cofiar um bigode que não tenho e vejo as mãos brancas de Arraes
adivinhando o futuro. A luta hoje é diferente, mas é feita da mesma matéria: o
sonho de ver o Brasil seguindo em frente, vencendo os seus inúmeros desafios.
Tadeu Alencar é procurador da Fazenda Nacional
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