quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Canteiro da refinaria vira campo de guerra (JC, 09/08/2012)


REFINARIA Nas imediações da principal obra do Estado, tiros, feridos e muito tumulto. Tudo é consequência de uma briga interna
Adriana Guarda - adrianaguarda@jc.com.br, Felipe Lima -flima@jc.com.br 

O clima era de salve-se quem puder. Correria e pessoas se acotovelando para subir nos ônibus das empresas e voltar para casa. Quem não conseguiu deixar o campo de guerra, instalado na manhã de ontem em Suape, assistiu ao confronto. De um lado do front, o Batalhão de Choque e a Polícia Militar (PM) disparando tiros de balas de borracha e bombas de efeito moral. Do outro, operários ateando fogo aos ônibus que restaram no canteiro de obras da Rnest. No final da manhã, a violência deixou um saldo de sete veículos incendiados, vários feridos e dois operários detidos.
A confusão começou depois que a diretoria do Sintepav-PE leu a sentença do TRT decretando a ilegalidade da greve, determinando a volta às atividades e anunciando o desconto dos dias parados. Insatisfeitos, alguns trabalhadores apedrejaram o trio elétrico que servia de palanque. Os sindicalistas precisaram se abrigar dentro do veículo para fugir das pedradas e garrafadas. A polícia reagiu com tiros e começou a correria. Os representantes do sindicato precisaram da escolta da PM e da segurança patrimonial de Suape para deixar a refinaria sem passar pela zona de conflito.
No meio do tumulto, funcionários desmaiaram e foram feridos pelas balas de borracha. Na condição de espectadores, operários fotografavam e filmavam a atuação da polícia e reclamavam da truculência com colegas que não participaram dos atos de vandalismo. “Não tive coragem de descer do ônibus para participar da assembleia. Estou com muito medo. Não sei se venho amanhã (hoje)”, confessou uma armadora de estruturas.
Segundo a advogada do Sinicon, Margareth Rubem, o prejuízo com o incêndio dos ônibus e a depredação de outros tantos foi de aproximadamente R$ 2 milhões. O dono do caminhão que puxava o trio elétrico, José Bezerra, também espera recuperar a perda com o confronto. “Vim fazer um trabalho para ganhar R$ 300 e acabei com uma perda de R$ 3 mil. Espero que o Sintepav-PE assuma o prejuízo”, disse.
O clima de tensão que pairava durante a assembleia tinha odor de álcool. Sequer eram 8h e muitos operários viram no dia atípico uma oportunidade para beber. O saldo de objetos deixados para trás após o conflito incluía garrafas de conhaque de alcatrão, por exemplo. Na semana passada, um grupo de trabalhadores entornava dois litros de vodca, acompanhados de camarão ao alho e óleo. Perto deles, a greve era imposta pela massa e o racha na categoria se escancarava.

Reflexos de um racha sindical

A história se repete em Suape. Pelo segundo ano consecutivo, as obras da Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e da PetroquímicaSuape (PQS) se transformam em cenário de guerra. Na manhã de ontem, ao invés de segurar as rédeas do movimento, os representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada (Sintepav) foram apedrejados pelos operários. A assembleia, que deveria terminar com o retorno ao trabalho, acabou com mais um dia de obra paralisada e um saldo de violência e vandalismo (leia matéria ao lado). A situação expõe, mais uma vez, a fragilidade da liderança do Sintepav em Pernambuco. Diante do confronto, as empresas decidiram mandar os funcionários para casa. Hoje, o Sintepav não vai voltar ao canteiro e deixou para cada trabalhador a decisão de encerrar a greve ou arcar com demissões.
Com o racha violento na categoria, o Sindicato Nacional das Empresas de Construção Pesada (Sinicon) resolveu conclamar os operários decididos a cumprir a decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e encerrar a greve, iniciada desde o último dia 1º e julgada ilegal. Para tanto, solicitaram oficialmente à Secretaria de Defesa Social (SDS) reforço na segurança. “É uma convocatória para os pais de família, para aqueles que não concordam com vandalismo, com essa barbárie. Não fiquem passivos, assumam seus postos de trabalho”, fez o apelo a advogada da entidade, Margareth Rubem. Sem quantificar, ela afirma que um dia de obra parada representa “milhões perdidos” para as empresas. A SDS não informou quantos homens vai disponibilizar hoje, quantos foram mobilizados ontem ou sequer o número oficial de detenções durante o conflito.
Escanteado nas negociações salariais do ano passado, que contou com reforço da Federação e Confederação dos Trabalhadores na Construção Pesada, o presidente do Sintepav, Aldo Amaral, lamentou os atos de vandalismo e afirmou que existe uma disputa política entre as lideranças sindicais."O PSTU, que é ligado ao Conlutas, tenta dividir a categoria, distribuindo panfletos afirmando que Pernambuco tem um dos piores salários do Brasil e pleiteando um reajuste de 15%", destaca.
A Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas) rebateu as denúncias em tom elevado. Declarou apoio "integral" ao movimento dos operários, mas negou ter comandado a paralisação violenta da semana passada e a quebradeira generalizada de ontem. "O Sintepav-PE faz acusações falsas, levianas e mentirosas. O que os trabalhadores querem são melhores condições de trabalho. Tudo que aconteceu foi gerado por insatisfações da base, que está jogada em galpões ou em casas onde moram 10, 20 pessoas amontoadas. Em vez de atender as reivindicações dos operários, o Sintepav-PE é ausente e só faz acordo com as empresas. É um revolta acumulada há muito tempo contra uma entidade que não cumpre o seu papel", endureceu a representante da executiva estadual da CST-Conlutas, Cláudia Ribeiro.
No acordo de convenção coletiva aprovado pelo Sintepav e Sinicon ficou acertado um reajuste salarial de 10,5%, além de 30% de aumento no valor do vale-alimentação e folga nos dias de pagamento. Apesar de considerar o acordo positivo, os trabalhadores alegam que a proposta foi aprovada numa assembleia sem legitimidade, só com uma minoria.
Diante da ferida exposta no maior empreendimento de Pernambuco, o governo do Estado escalou a Secretaria de Articulação Social e Regional para ajudar a apagar o incêndio. Ontem, no começo da noite, o secretário executivo de Articulação e Relações Sociais, Érico Menezes, além da gerência de assuntos estratégicos da pasta, receberam o presidente do Sintepav-PE, Aldo Amaral, para uma reunião. O objetivo é tentar começar a entender o que está ocorrendo no canteiro da Rnest e encontrar formas de mediar a conturbada relação entre sindicato e trabalhadores. O procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco (MPT-PE), Fábio Farias, voltou a apontar como principal motivo para o conflito uma "crise de legitimidade" do Sintepav-PE perante a categoria.

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